quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Arte Contemporânea": o trabalho dos preguiçosos.

Rigorosamente, o que seria a arte contemporânea? A arte produzida no tempo atual. Certo? Imagino que sim, mas parece que não. Realmente acredito que não devemos nos prender a nada, todos os padrões podem ser desconstruídos e essas desconstruções podem ser reconstruídas ou piormente trituradas. Tudo pode. Certo? Sim, desde que haja consciência. Se for fazer algo ruim, faça sem medo, mas saiba disso, pelo amor de Nosso Senhor Bom Deus! As liberdades do modo de se pensar e construir um trabalho hoje têm se confundido com "conceitos de arte contemporânea", ou pior: "regras de arte contemporânea", o que seria extremamente contraditório. Os nossos queridos "artistas" têm usufruído dessa liberdade de forma completamente retardada. Pegam isso e acham que podem tudo e, logo, não precisam estudar muito. Tentam ser diferentes, legais e "contemporâneos" e acabam repetindo um monte de clichê imbecil. Vai lá assistir dança ou em alguma exposição de "arte visual" (como se outras artes não usassem e abusassem da visão humana) pra ver: tudo a mesma coisa, ninguém se preocupa com o espectador/observador/participante/próximo/etc., pois, afinal, pode-se interpretar tudo. Então eu posso colocar um monte de livros grudados um no outro sem escrito nenhum em uma sala gigante, pois tenho dinheiro pra isso, e neeem me preocupar com qualquer percepção que o outro vai ter disso. Na dança é ainda pior, dá pra fazer uma lista de clichês: o nu, a voz, as quedas, rolamentos, o desequilíbrio individual e espacial, o martírio, a interação com o público envolvendo proximidade geográfica e vergonha alheia, entre outros milhões! Não estou dizendo que isso não deve ser feito ou que isso é ruim, de forma alguma. Só estou dizendo que isso vem sido repetido constantemente, tentando se atingir um lugar do "novo", do "contemporâneo", e acabam repetindo coisas sem chegar a lugar algum. Essas coisas todas, um dia, partiram de algo, fizeram algum sentido. E aí acabaram por se tornar códigos que as pessoas se sentem quase obrigadas a usar, pra não serem chamadas de caretas ou pra serem consideradas "alternativas" e "contemporâneas". Essas pessoas, que são as que mais fazem críticas aos rótulos, são as que mais fazem uso deles. Os códigos estão lá, claros pra todo mundo ver. Fala sério, se você vê um artista, você reconhece, não reconhece? Tentam parecer um, é uma coisa ridícula (no mau sentido), quase dá dó. Tá tudo meio perdido, as pessoas estão meio atordoadas, eu acho. É muita informação sem sentido e sem porquê junta, e acaba parecendo que esse é o certo. Mas não tem certo. Isso é só uma forma em que as pessoas encontraram um caminho fácil e, por as fazer parecer inteligente, usam e abusam em tudo quanto é trabalho.
E tem outra questão: os "artistas" têm mania de achar que a arte é importante demais, que as pessoas deveriam procurá-la, fazer parte dela e pagar por ela. Nãããão, de jeito nenhum! Ninguém tem que fazer ou deixar de fazer nada! Tudo são escolhas, e é isso o que tem faltado pros tais "artistas". Jogam qualquer coisinha por aí, sem ter estudo (material) pra isso, e acham que estão abafando. Falta escolha, falta certeza, falta saber onde se está. Resultado? Milhões de trabalhos ruins e que ninguém entende.
A "arte" (se é que ela existe) está num lugar que acredito ser o seguinte: nos dá entretenimento ou nos apresenta o resultado de algum trabalho, pesquisa ou estudo. E não nos esqueçamos do espectador/receptor/observador/jogador/ser/etc. Se não fosse ele, se não fosse a relação formada entre as pessoas, de nada valeria esse trabalho. A "obra" acaba ficando super-valorizada em relação ao "evento" criado no instante em que as pessoas entram em contato com ela. Essa "obra" pode ser apenas uma idéia ou proposição, mas se haver certeza disso, acontecem coisas maravilhosas (Lygia Clark é um exemplo maravilhoso).
Voltemos às raízes um pouco, percamos o medo do passado, aprendamos com ele (soa piegas, mas é verdade). O Modernismo, do qual tanto tem-se repulsa nos últimos tempos, nos mostra como se anda: com puxões de tapete, com desequilíbrios, mas que provêm de um estudo e de um trabalho intensos. Para propormos coisas novas e sairmos do lugar e, consequentemente, conseguirmos prazer (que é, no fim das contas, o "sentido da vida"), é necessário estudo, é preciso saber onde se está pisando, é preciso saber o que exatamente se está desconstruindo. Não é fácil não. O fácil é acomodar-se, e isso faz parar. O equilíbrio é estático, é a normalização extrema, é o fim de tudo.
Não quero que tudo acabe (mas isso é extremamente pessoal). Sinto prazer com o novo e (quase) tudo que tenho visto tem me desapontado muito. Tentar sair desse lugar-comum não é uma coisa muito fácil, mas me dá prazer. Cá estou eu quase gozando.
Um beijo bem gozado no cuzinho de todos vocês, meux baixinhox.

3 comentários:

Lulis disse...

uhum:
ficar fazendo a cara mais intelectual possivel frente a uma obra totalmente confusa embolada e esquisita se concretizou como o CHIQUE do mundo contemporaneo.

A propria palavra "contemporaneo" eh, assim, contemporanea demais pro meu gosto.

Anônimo disse...

É aquele velho bordão, "aquele que não estuda o passado está condenado a repeti-lo..."

O engraçado é que as pessoas aos poucos começam a perceber isso tudo que você fala (com licença de encompassar os dois ultimos posts-gigantes nesse comentário) - uma vez um amigo disse que eu era "diletante demais pra fazer faculdade de artes". Mas no fim das contas nem é, é justamente o contrário. Diletante eu era quando eu fazia coisas ruins, sem sentido, só porque eu não sabia fazer, daí saia algo sem nexo, sem graça, sem nada.

Já hoje em dia eu sei fazer absolutamente tudo e prefiro perder um dia inteiro estudando e aprimorando um método de composição, em detrimento de não compor absolutamente nada proveitoso...

...com exceção de uma pequena marchinha contrapuntual que fiz a alguns dias atrás e uma trilha sonora que fiz pro Thyer... mas que provavelmente vão ir morar no meu GDrive *_*

Anônimo disse...

...mas resumindo, é muuuuuuuito mais difícil fazer coisas aleatórias quando se sabe o que faz. No fim das contas, a diletância pode se provar bem produtiva, e geralmente é para o mal.

É que nem o John Cage, que teve uma fase serialista. O cara fazia peças que não requeriam nenhuma noção de música, mas sabia compor dodecafonicamente - provavelmente a habilidade mais complexa na musica... e que parece COMPLETAMENTE ALEATÓRIA...

E tem também o impressionismo abstratos. Tem aquele velho papo de que qualquer criança de cinco anos faz uma pintura abstrata, mas o complicado é contextualizar aquela parada, descobrir um fio condutor pra obra inteira, descobrir que cada pintor tem um jeito todo dele, uma textura própria, um equilibro de cores - e ele consegue fazer variações desse tema...

...no fim das contas, com amadorismo não dá pra conseguir essa consistencia na obra, só por acidente =P